Um livro da literatura bíblico cristã, mas de temática excelente para pessoas de qualquer religião ou mesmo céticas refletirem. Conheci quando eu tinha cerca de uns 20 anos e jamais o esqueci. Releio trechos e páginas quando sinto que começo a precisar do que li ali.
Conta a história de três reis de Israel o primeiro, Saul, depois, Davi e em seguida, do filho dele, Absalão. São três seres humanos totalmente diferentes no caráter, no jeito de ser, nos princípios, nos valores, nas noções do que é certo ou errado. Reis que tinham estratégias, formas de governar, interesses e perspectivas muito distintas. No desenrolar da história e na abordagem analítica das situações, pelo olhar do autor, é possível imergir em um profundo processo de autoanálise, por meio daquela viagem arrebatadora aos mundos ou campos da mente, que os leitores assíduos sabem o quanto os livros são capazes de proporcionar.
As lições são, sobretudo, sobre liderança e submissão. Como proceder quando você se encontra em uma posição ou trabalho, função de chefia, situação de liderança, num status de poder de decisão e comando sobre outras pessoas, quando essas pessoas te faltam com o respeito, não reconhecem sua legitimidade, questionam os seus métodos, tenta desacreditá-lo perante os outros? Como agir quando notavelmente um dos seus subalternos é claramente melhor do que você e provavelmente o seu eminente próximo sucessor? E se, pelo contrário, essa sucessão ocorrer de forma usurpadora e injusta? O que fazer? Como se administra esses e outros tipos de situações com um posicionamento ético? Como resolver ou se sentir a respeito de algo assim, sendo você uma pessoa que teme e obedece os preceitos divinos e que jamais deseja mal aos outros? E quando é o inverso. Você está debaixo da autoridade de uma pessoa cruel e insana? O que fazer? Vale a pena ler o livro na integra para encontrar algumas respostas ou sugestões para tais tipos de questionamentos. Confira a seguir, o que percebi através do meu olhar.
Davi com certeza enfrentou todos esses tipos de situações ao longo de sua vida. Esteve dos dois lados extremos deste tipo de conflito. Já foi rei e já foi servo do rei. O rei Saul que vinha cometendo uma sucessão de erros, sabia que Davi, em pouco tempo, seria rei no seu lugar. Deus já havia o escolhido para isso. Ele estava predestinado a governar Israel. Saber disto desestabilizou completamente Saul. Seus piores anseios e falhas de caráter começaram a ficar evidentes em suas ações desesperadas para tentar se manter no poder. Na cabeça dele, a melhor forma de resolver o problema, seria atacando seu inimigo e ele fazia isso, "atirando flechas" com intenção de matá-lo. Obstinado, cego pelo desejo de perpetuar-se no poder, custasse o que custasse, fosse apto à função ou não. Davi, por sua vez, poderia facilmente revidar atirando as flechas de volta e como bom guerreiro que era, facilmente seria o assassino do rei e se livraria do problema. Mas ele era, como se costuma dizer atualmente, um tipo de ser humano espiritualmente evoluído. Ao invés de atirar as flechas de volta, apenas se esquivava delas para sobreviver e fugia da ira do rei Saul, para evitar maiores conflitos. Eles se reconheciam de outrora. Davi, músico, costumava ir o rei, quando ele mandava chamá-lo, para tocar para ele. Saul tinha lá os seus tormentos e angústias e música de Davi o acalmava dos seus fantasmas. Davi respeitava e amava o rei apesar de todos os erros e falhas, e embora não compactuasse com tais erros, não achava que poderia ter o direito de julgar e colocar fim em um rei.
Inevitavelmente o tempo passou, Saul caiu e Davi se tornou o rei que estava predestinado a ser. Foi o maior dos reis de Israel e a palavra diz que o próprio Deus de Israel o considerava um homem segundo o Coração de Deus. Ele prosperou. Fez o reino crescer. Foi um grande administrador do reino. O povo o amava. Ele era um adorador de Deus, um justo rei do povo e um grande guerreiro e vencedor de batalhas. Mas, certa vez ele também se perdeu. Cometeu erros graves em sua vida pessoal que atingiram severamente a vida das pessoas envolvidas na situação. Quando se deu conta do quão mal tinha feito a Urias, um dos seus soldados, se arrependeu amargamente perante o Deus todo poderoso de Israel. Deus lhe perdoou, mas as consequências não puderam ser apagadas. Foram terríveis. Um dos seus filhos, Absalão revoltou-se contra o rei. No desenrolar de uma história bem pesada e cheia de detalhes, Absalão, através de uma rebelião, tornou-se o rei no lugar do seu pai, Davi. Davi, estava agora no outro lado da situação. Ele era o rei e seu reinado estava ameaçado e ele se sentiu aflito por causa disso, claro, mas o que mais o incomodou era a dor de saber que o filho que ele amava poderia ser morto sob o comando de Joabe, o capitão dos exércitos do rei, que haveria de entrar em ação para conter a insurreição. Davi disse a Joabe, poupe a vida de Absalão. Joabe concordou ali perante o rei, mas quando se viu com a oportunidade de cortar o mal pela raiz, matou Absalão que tinha humilhado Davi através de suas ações, escandalosamente, publicamente. Davi, apesar de ter sido traído, ficou profundamente abatido com a morte do seu filho, Absalão. Pouco lhe importava se seu reinado deixou ser ameaçado, tanto fazia o seu poder de rei, porque nada poderia apagar ou amenizar a dor pela morte do filho.
Passado o tempo, depois de todos esses acontecimentos, Davi continuou sendo um rei que governava com excelência, bondade e fidelidade a Deus. Cresceu, se restabeleceu, jamais voltou a cometer os erros do passado. Que ser humano extraordinário ele foi.
Li e reli várias vezes esses textos bíblicos que se encontram nos livros de I e II Samuel do Antigo Testamento. Li e reli várias vezes o Perfil de Três Reis e guardei as lições do livro no meu coração. Adquiri princípios, valores. Eu queria agir como Davi a ponto de pagar o mal com o mal e nem devolver injúria com injúria. Ainda procuro ser assim. Me esforço, por mais que em dados momentos da vida, fosse em contexto de injustiças. Mas isso quando se trata de mim e das minhas relações interpessoais algumas vezes mal sucedidas.
Agora e quando se trata do bem coletivo? Será que Davi agia de maneira reclusa e passiva, apenas se desviando das flechas quando o que estava em risco era o bem estar do seu povo? Acredito que não. Muito antes de ser rei, ele desafiou sozinho o gigante Golias, não é mesmo? E por que ele fez isso? Porque ele estava lutando pelas pessoas. Pelo reino e pelo povo ele enfrentou os filisteus, os moabitas e todos aqueles que porventura pudessem prejudicá-los.
Por muito tempo achei que eu deveria me calar, permanecer com os pensamentos reclusos, não revidar, não lutar e evitar conflitos a todo custo, acreditando que desta forma, estava agindo de acordo com a vontade de Deus, com os preceitos que aprendi na bíblia e com os ensinamentos do livro o Perfil de Três Reis, que marcou tão profundamente minha juventude cristã. O que aprendi ali, é realmente forte e necessário. Temos que aprender a lidar com os vários tipos de questões de forma sábia e humilde sim. Não devolver o mal que alguém nos cause com mal. Isto está bem claro para mim. Agora, me calar sobre tudo? Permanecer omissa, indiferente, neutra, calada quando claramente pessoas estão sendo injustiçadas, oprimidas, manipuladas para causar o mal a si próprias, aí não dá! Tem situação que precisa que a gente se posicione, que a gente se imponha, fale, lute pelos mais fracos, lute por justiça. Eu achava que deveria abaixar a cabeça e aceitar passivamente tudo que os meus governantes faziam para evitar tumultos e brigas. Mas gente! Não dá! Não é certo! "Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele", disse certa vez Martin Luther King. Ele tinha muita moral para dizer isso, pois ao invés de aceitar de cabeça baixa os horrores impostos pelo governo, a saber, a Segregação Racial, determinada e institucionalizada pelos seus senhores segundo a carne, ele revidou! Revidou pacificamente, pois era cristão, era pastor sincero, de respeito, contra violência, mas revidou! Longe de mim escrever esse texto para querer justificar a polarização política e o fato de que as vezes chego a fazer discursos severos, no meu anseio de conscientizar pessoas pela educação, contra a desigualdade social e contra o racismo, por exemplo, mas para afirmar que precisamos nos unir e lutar sim contra o governo, contra os reis, contra os chefes abusivos e quaisquer outros que queiram submeter a população a algum tipo de situação que não seja aceitável. Não proponho que nos tornemos altivos ou arrogantes, mas lutadores pelos interesses do coletivo, pelo certo. Isto requer muita empatia e sabedoria. Eu vou sim obedecer os meus senhores segundo a carne, como a bíblia diz, mas não cegamente e nem quando o obedecer-lhes significar trair ou romper com meus princípios cristãos. Certa vez o apostolo Pedro disse, ao receber uma ordem que trairia a fé cristã: "Importa obedecer a Deus ou os homens?". Mas cuidado. Existem por aí muitos falsos cristos e falsos profetas. Não tem como você lutar com noção do que está fazendo, sem um embasamento profundo. É preciso estudar! Se não de forma oficial, por conta própria. Leia a a bíblia que você tanto acredita. Não se apegue apenas aos textos mais famosos e fora de contexto. Reflita, compreenda! Além disso, cada caso é um caso. Existem aqueles que se submetem a vários tipos de ordenanças incoerentes e situações, porque precisam defender seus sustentos e empregos. Quem somos nós para julgá-las? Cabe a cada um analisar a própria consciência e não aos que estão observando e julgando, fora do que estão vivendo na pele. Cuidado ao obedecer cegamente ordens que sejam desonestas, contra lei, incoerentes, mesmo que venham dos mais altos poderes governamentais ou religiosos.

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